DISCURSO DE UM HOMEM RICO - "GOG"
Discurso de “GOG”
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Mentalidade de um Homem "" Rico ""
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( Alguém que foi , no inicio do século XX , um dos homens mais ricos (financeiramente ) do NORTE e do Sul , graças à tecnologia e raciocínio calculista , expôs sua ideia do Planeta Terra )
"Surpreende-me e irrita-me , pois pertenço a essa espécie humana , o humilde contentamento dos humanos . Falam a todo o momento de grandezas - the biggest in the world - e a seguir descobre-se que lhes parece imensa qualquer pequenez .
Falta , em absoluto , a todos o senso do gigantesco . Falam como Sansões e agem como anões , como o pequeno Polegar .
Uma estátua da altura de sessenta metros parece , a seus olhos , um colosso ; um edifício de cento e cincoenta metros , um desafio aos céus ; uma torre de trezentos metros , um portento único ; uma ponte de alguns quilômetros , uma vitória do gênio humano ; uma cidade onde vivem dez milhões de pessoas , isto é cem vezes mais deserta do que em certos formigueiros , supõem uma metrópole imensa e uma população de cem milhões parece interminável .
Nunca vi pobres tão extasiados diante das obras de industriais tão mesquinhos .
Quando me vi pela primeira vez ao pé da Torre " Eiffel " , não pude deixar de rir : - aquela deselegante gaiola de ferro , que parece um brinquedo de engenheiros abandonado perto de um regato era realmente a construção mais alta da Terra ? É caso para ter vergonha de ser homem e de ter nascido neste século .
S. Pedro de Roma é , ao que dizem , a maior igreja do mundo e tem como vestíbulo uma praça que podia ser o modelo reduzido de um dos meus sonhos mas quando se entra na Nave , fica-se desiludido - isto é tudo ? em poucos passos encontramo-nos sob a cúpula .
Não quero dizer que seja feia , uma vez que os especialistas a admiram mas as dimensões são incrivelmente miseráveis .
Se o Imperador do Mundo - que qualquer dia há-de reunir sob seu domínio as pequenas províncias hoje chamadas de reinos e repúblicas - construísse um palácio real digno dele , uma cúpula como a de Miguel Ângelo poderia , quando muito , ser a abóbada de um átrio de serviço . Quanto ao Coliseu seria , imagino , um pequeno pátio de passagem para as cozinhas .
É possível que os Babilônios e os Egípcios tivessem um pouco mais do que nós , a fantasia do grandioso , embora possamos desconfiar das ruínas , que nos podem iludir , mas os modernos - que possuem meios e mecanismos muito superiores aos antigos - deviam fazer muito mais e não escancarar a boca à vista das intenções mesquinhas dos nossos arquitetos micromanos .
Nenhum tem uma imaginação digna da nossa condição de monarcas do planeta .
Ter-se-ia , por exemplo , de recomeçar a construção da Torre de Babel , abandonada por vil superstição há milhares de anos , uma Torre de Babel que ultrapasse os mil metros , a zona das nuvens , e permita contemplar inteiro o país a seus pés e isso não seria impossível para os nossos construtores .
Há já cerca de quatro séculos que Miguel Ângelo teve uma idéia verdadeiramente digna de um homem : a de escavar uma montanha e convertê-la em estátua gigante .
Ninguém lhe deu ouvidos nem o auxiliou mas sustento que aquela seria a verdadeira Obra-prima de Buonarróti .
Nos Alpes Apuanos existe ainda uma montanha de mármore que se prestaria otimamente .
E quem pensa em estender uma ponte digna do poder humano , isto é , entre a Europa e a América do Norte ? Os técnicos por mim interpelados consideram-na realizável , depende unicamente do custo , do tempo e da audácia .
Mas os meus contemporâneos são de uma timidez que causa asco .
Uma estrada imperial , de duzentos metros de largura e um comprimento de duzentos quilômetros , marginada de estatuas colossais dos maiores gênios do mundo que atravessasse uma verdadeira Metrópole de , pelo menos , trinta milhões de habitantes , pareceria a estes pigmeus acomodatícios , um sonho absurdo .
Contentam-se em admirar os navios de duzentos ou trezentos metros de comprimento que transportam lentamente através dos mares alguns milhares de viventes mas o navio em relação à nossa época deveria ser uma ilha autêntica , com jardins plantados em terra verdadeira , com rus e palácios e destinada , não a andar daqui para ali , de um continente para outro , mas a tornar possível a carreira regular entre todos os continentes .
Os paquetes de hoje nada mais são do que barcaças a vapor que farão dentro de um século o mesmo efeito que nos fazem as diligências de há cem anos .
Por ora só as palavras são de Titãs mas as nossas obras são de formigas e de toupeiras pois até as formigas nos podem dar lições de grandeza .
O homem hodierno apesar de sua jactância pensa como Gulliver e não se apercebe de que vive ao nível de Liliput .
Quando visitei os Laboratórios de Fisiologia da Universidade W... dirigida pelo célebre Fruhestadt , alemão americanizado , realizavam-se ali grandes experiências sobre a autonomia do coração .
O próprio Fruhestadt investigava se o coração dos animais poderia ter vida autônoma .
Mais do que qualquer outro animal , o porco correspondia às suas esperanças e pude ver dois corações de porco submersos em um líquido quase límpido que palpitavam regularmente , como se estivessem vivos .
- Observe uma coisa estranha - disse sorrindo o ajudante que me acompanhava , o coração do porco é o que mais se assemelha ao do homem na forma e dimensões e não desesperamos de poder tentar a experiência com a nossa espécie , se conseguirmos a licença necessária .
Refletindo sobre as palavras do ajudante , veio-me à memória a minha coleção de gigantes ((( o problema que me preocupava -- fazer uma coleção de seres vivos que não fugissem -- pareceu-me solucionado ))) e propus o negócio ao ajudante do professor .
Dentro de um mês , ao preço de cem dólares a peça , devia proporcionar-me a coleção que eu desejava e conseguia-a : - trezentos e setenta porcos foram sacrificados , naturalmente vendidos a preços normais .
Tenho agora , aqui , numa luminosa galeria do Cottage de Concord uma das coleções mais originais do mundo : de ambos os lados , em prateleiras de pinho , alinham-se cem frascos de boca larga onde palpitam cem corações .
Na solução que conserva sua atividade muscular que o assistente renova todos os dias , os corações contraem-se num ritmo cansado e irregular mas contínuo como se fossem motores de carne que trabalham em vão , separados dos aparelhos que animavam .
Aquela eterna pulsação cardíaca sem objetivo nem sentido atrai-me fortemente e sugere-me estranhos pensamentos ; apraz-me imaginar , seduzido pela semelhança , que possuo cem corações de homens , órgãos quentes e vivos , cem corações que sofreram , que gozaram , que conheceram a paralisia do medo e a aceleração do amor e são agora apenas um simulacro de vida .
Libertaram-se das criaturas que serviram , pulsam gratuitamente para nada , para ninguém , unicamente para me divertirem pois nunca pude tolerar os delíquios dos poetas e dos novelistas sobre o " coração " .
Este símbolo ideal de todas as imbecilidades sentimentais , de todas as ejaculações patéticas , aqui está reduzido à sua mecânica materialidade nestes grandes frascos .
Os corpos a que estes corações pertenceram , morreram , as almas desvaneceram-se e este músculo escurecido em forma de pêra , contínua estupidamente a palpitar sob o cristal como se qualquer coisa de belo e de nobre correspondesse ainda às suas palpitações .
O céu desagrada-me . Em certos momentos faz-me sofrer e então não posso sequer enxergar pois não sei como vingar-me e feri-lo .
Sinto-me irmão dos Citas que lançavam suas flechas contra o sol e as nuvens , em suma , para ser franco , ao menos comigo próprio , odeio o céu e com a pior espécie de ódio , o ódio impotente .
Não que ame demasiadamente a Terra . A Terra é exígua , suja , monótona e povoada mais do que o necessário , de pequenos pedaços de barro falante que a desfiguram e a tornam mais repugnante ainda mas aqui sentimo-nos em nossa casa , senhores para desfazer e fazer , para nos movermos à vontade , talvez possamos fazer-nos obedecer pela Terra ; consegue-se dominá-la aqui e ali como queremos , obter trigo onde haviam charcos ou pedras , criar rios artificiais , abater montanhas , separar continentes .
O céu , porém , está distante , afastado , é imodificável , hostil , não temos poder sobre o céu , mesmo as camadas mais baixas da atmosfera são independentes do nosso domínio .
É preciso suportar o vento que sopra , esperar o beneplácito da chuva , sofrer semanas e meses da serenidade tórrida , nada sabemos fazer contra as tempestades , quando muito conseguimos atrair de vez em quando algum raio .
Nem o dirigível nem o aeroplanos diminuíram a nossa impotência contra o céu inferior , podemos correr pelos ares , estamos porém à mercê dos furacões , dos tufões , dos redemoinhos , da névoa , e conseguimos elevar-nos a parcas alturas .
Mas o que odeio mais ferozmente , é o céu superior , é o firmamento . Tolero o sol bestial com o seu rosto de fogo cheio de manchas , por causa de sua utilidade mas à noite , as estrelas !! O infinito não me atemoriza , desagrada-me e ofende-me .
Para sofrer a humilhação da minha pequenez bastava a Terra .
A provocação do céu estrelado e desproporcionado e prepotente é vergonhoso . Aqueles dois milhões de sóis que aparecem a meus olhos como átomos desordenados de luz elétrica -- que têm a ver comigo ? Que querem ? Para que me servem ? Por que tornam todas as noites , chamas milenares , a insultar a brevidade dos meus dias neste recanto vazio ?
O céu é uma injúria perpétua e insuportável , as estrelas não me conhecem e eu nunca poderei fazer qualquer coisa com elas nem contra elas .
Quando penso em quantos milhões de anos-luz distam de mim e quantos séculos necessita a sua claridade para chegar à Terra , nada mais faço a não ser dar forma aritmética à minha raiva .
A repugnância pelas récuas humanas que se amontoam nas cidades sufoca-me , em certas noites , a ponto de fazerem-me pensar se não haveria uma maneira prática e rápida de varrê-las radicalmente da Terra --- certas caras bestiais diante da comida , alguns corpos que parecem sacos de podridão com uma máscara de opróbrio , fazem-me desejar a matança total da nossa espécie , como missão de asseio urgente , como um dever.
Tenho já um plano nítido para o assassínio universal e não me parece absurdo e é muito simples pois compreende apenas dois meios : explosivos e gases venenosos .
Para as cidades , bastariam cem minas bem colocadas aproveitando os aquedutos e as cloacas ; para os campos , pensei em milhares de fábricas de gás , distribuídas estrategicamente para que não ficasse um só palmo de terra livre no dia da execução .
No minuto por mim fixado , todas as minas de Chedita e de Lidite deveriam explodir e todas as fábricas deveriam abrir as suas comportas e chaminés , gasômetros e depósitos e em poucos minutos as cidades converter-se-iam num montão de ruínas , em meio de montanhas de fumos e o ar dos campos ficariam em pouco tempo envenenados , irrespirável , homicida e ao cabo de duas horas , segundo meu cálculo , em nenhuma região do mundo existiria um só homem com vida , a limpeza seria integral e definitiva .
Há , contudo , algumas dificuldades e a primeira de todas é a despesa.
Um particular , conquanto extraordinariamente rico , não poderia dispor dos enormes capitais que seriam necessários , sobretudo para a construção e funcionamento das inúmeras fábricas de gás .
Constituir uma Sociedade Anônima seria , penso , difícil pois muito poucos , entre os ricos , sentem o meu asco pelos seus semelhantes .
Recorrer ao Estado não é bem lembrado mas facilmente encontraria um país disposto a financiar a matança ideada mas com a condição de que fossem excetuados os seus cidadãos ( os mais fieis certamente ) e assim o verdadeiro objetivo não seria atingido .
Mas o maior obstáculo é sem dúvida a necessidade de recorrer a muitos e demasiados cúmplices : operários , engenheiros , químicos , etc. , e seria quase impossível manter o segredo durante o longo período de preparação e uma vez divulgada a intenção , só haveria um morto : o que pensara e quisera o morticínio .
Depois é preciso pensar no vil temor dos homens e no seu chocante e ridículo amor à vida : os executores , conhecendo antes dos outros a benemérita maquinação , encontrariam maneiras de subtrair-se à morte e sobre a Terra ficariam alguns milhares dessas odiosas criaturas .
Devo, com infinito pesar, renunciar a esta benéfica idéia e sabe Deus quando poderá a Terra ver-se livre dos seus repugnantes parasitas .
Sinto o remorso da minha impotência , da minha pobreza , e vejo-me reduzido a imaginar , como num sonho , a cena estupenda e espantosa , bem pouco para a minha perene repulsa . "
“GOG”
Enviado por Valdemar Ribeiro em 28/06/2005
Alterado em 08/11/2018